2023/11/19

Linguagem não verbal

 


Sentou-se junto à avó enquanto ela tricotava. Era um hábito antigo, do qual não estava disposto a abdicar. É que gostava tanto daquela criatura, de uma forma intrinseca, sincera, até devota, que tinha conseguido desenvolver um sistema de comunicação não verbal com ela. Um sim era o que todos sabem, um menear de cabeça. Um não, abanar o pescoço servia. Polvilhar aqueles minutos pardacentos e que passavam devagar com muitos amo-te, era conseguido com abrires e fechares de olhos. Até conselhos se conseguiam pedir sem falar.  Quando ele estava mal de amores, a avó percebia. Era hábito sentar-se no chão, de pernas cruzadas, a olhar para o chão com o queixo apoiado nos nós dos dedos, que fechava como se rezasse. A avó punha-lhe a mão na cabeça se achasse que era hora de mudar, seguir em frente. Se continuasse a dar pontos atrás de pontos, sem sequer reparar nele, é porque a rutura ainda não era para chegar.  Ele achava que a pessoa mais importante da sua vida, que tinha ali junto de si, tinha desistido de falar. Mas não desistido da vida.  As agulhas de tricot eram como os ramos de árvore a que ela se agarrava, com toda a força, recusando desligar-se da vida. E isso alegrava-o. Fazia-o sentir completo, recusando-se por enquanto a pensar no dia em que chegaria aquela casa que era a casa do seu ser, do seu coração, para ver que aquele ser frágil, mas não derrotado, tinha desistido de fazer tudo aquilo. No dia em que isso viesse, a sua vida mudaria. Até lá, era aquilo.  Um doce e pachorrento convívio com o tempo, e deslindar de amor

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Acha disto que....

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