2023/06/30

,tudo seria um sonho

 


Os dedos não sentem. O rosto tateia a chuva, pressente-a como pode. Recolhe-se numa contrição sem som, apenas teatral. O corpo contorce-se, irreprimível, evitando desníveis de caminho. A força de uma juventude, neste caso, de pouco ou nada conta. Ao lado daquele monumento de um tirano, repleto de vandalismos sem sentido mas que o povo sente, há uma pessoa que tenta exaurir-se de pavores. Anda em círculos, quase respeitando um caminho predefinido. O senhor, chamemos-lhe assim, tira do bolso do casaco um pequeno dispositivo eletrónico de som. Sem travar a marcha, atabalhoadamente enfia os auriculares nos ouvidos, e com a ponta de um dedo solta o som. Absorve música inofensiva, mas complexa ainda assim. Parecem vilancetes de uma Idade Média perdida. São na sua língua natal, mas custa-lhe a entender os trinados melódicos de uma voz feminina, que parece reportar ao sítio onde está. Sem aquele monumento de um tirano, repleto de árvores, com pássaros pequenos em diversos voos concêntricos, tudo seria um sonho.

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