Aqueles olhos castanhos enquanto refino o traço, Num dia em que sou José, O gajo do fundo da rua que nunca sai de casa, E usa calças inocentemente roçadas, E tu, Olhos castanhos especiais como a inocência de uma manhã que se antecipa à madrugada, E faz por ficar para que o anseio da noite nem exista,...
E és aquela que ganhou o dom de abdicar de identidade, Com um longo vestido diáfano como o véu da santidade, E olhos castanhos que impressionam por ser únicos,...
Iremos para cima juntos, A significância de um minuto maior que o estremunhar do tempo, Espera-nos na escuridão
Pronto, está escrito, Só me ficaram a doer os dedos, Pensei que fosse pior e a luz morresse espremida, Pelo que resta desta janela velha e carcomida,...
Não falo mais de ter que pensar às cores, Seja lá o que isso for, Nem toco por segundos que seja no que ficou de uma memória disforme,...
Neste quarto que amanhã já não me terá, Só me resta sair, E reatar a dúvida onde o sol mais aquecer
Prometi voltar antes do meio do dia, lembro-me ter dito, a quem me ouvisse, que o silêncio era sempre maior do que a distorção do som, e antes até de sair, marquei território como as feras, espalhando em cima das mesas folhas toscas, com a minha letra disforme a escorrer poesia invisível, que parecia tingir o chão de ocre,...
ao regressar, as paredes falavam-me que tudo se tinha esvaziado, não havia pessoas, nem ideias, nem sequer os números inúteis da morte, só mesmo um chão ensaguentado, e que recitava desconexo a mudança do dia
Entristecia-me a desilusão, palpável, entre duas pessoas que se admiravam, respeitavam-se às vezes, e optavam por só usar a linguagem certa. A ideia, sempre pensei, era evitar ferimentos gratuitos. No lado de dentro daquela porta, eu que passava o tempo a atender pessoas, ouvir reclamações insuportáveis de mães falhadas, pais medrosos, e filhos indesculpáveis, até aprendi a ser paciente. Admirava-a mais do que a ele. Era uma mulher bonita, que não se esmerava na roupa, mas punha interesse na forma como caminhava, olhava para os semelhantes e os que tutelava, e principalmente como cuidava de um cabelo louro, timidamente ondulado, e que parecia manter-se intocável mesmo perante as intempéries. Ele tinha tomado a decisão de abrirem aquele espaço. Foram tempos difíceis. Tinha-se precipitado ao sair de um emprego de escritório que o consumia, e as coisas ficaram incertas durante longos meses,... que pareceram anos. Até encontrar um cubículo pequeno, meio escondido da luz do sol, numa ponta da rua por onde raramente passava. Estava vazio há tempo demais e, tempos depois, já era dele. Imaginou uma coisa simples, isenta de presunções, e onde pudesse haver um ambiente escolar, aplicado à rotina sem horas e sem cheiros. Ela aprovou, quase sem palavras. Como o fazia sempre. Trouxe-a num dia de chuva, pela primeira vez, à espera de um sorriso. De uma mão amiga, cúmplice,... Já não pedia amante porque se tinha habituado a não exigir mais do bem-querer daquela mulher. E teve um sorriso, meio rasgado meio tímido. Uma crença de que as coisas iam correr bem. Houve flores naquele mundo. Uma criança, duas crianças,... mas um abandono crescente,... Até que se sentiu a desilusão a instalar-se. Como uma corrente de ar leve, primeiro, que depois revira tudo num ápice, levanta sujidade, más memórias, dívidas de gratidão, e instala-se sem querer nunca mais sair. Eu cheguei numa tarde quente de Verão. Timidamente, com um pequeno pedaço de cartão na mão, onde se lia 'Ajuda Precisa-se', disse estar interessado. Fui ficando. Como já disse, ela enchia-me as medidas. Se calhar via-a como mais do que uma mulher distante. Se sim, já escondi esse pensamento entre os nós dos dedos, à espera que ele não se liberte. E pesou-me tanto a desilusão. Até me apeteceu, como agora o faço, escrever sobre ela...
este era o facto consumado que te apresentava, o mundo a exigir-me disfarces, tantas mãos que passavam pelas portas de todos os dias, cerceando a minha possibilidade de fuga,...
um papel escrito toscamente, com indicações de um percurso de retorno à sanidade, e algum dinheiro, provavelmente já desaconselhado, como todas as invenções do egoísmo humano,...
e assim nascia outra manhã, sem que a redenção fosse uma possibilidade
e a minha mão, um rosto desfigurado pelo silêncio, havia a frase da despedida, e a certeza do regresso, e tantos pontos brilhantes que desenhavam o sol, na escuridão,...
e a minha mão, como rosto ínfimo do prazer, que desenhava amor nas fronteiras longínquas do teu corpo, e depois agarrava poesia,
convences-me que a linguagem morreu, que são os dias ilusórios, a resposta certa para a pergunta que se impõe, aquilo que conta,...
há números que se estendem pelos telhados, e espraiados no tempo como recurso de circunstância, fazem-nos perceber a vida como um papiro de signos perdidos,...
e aqui, persistindo na herança do silêncio, aceito reconsiderar o futuro como um olhar
Cada poesia é um falhanço, Já que se obtém paz, A guerra esconde-se no encardido da ansiedade que se nos agarra à pele, E nos dá a pior forma de realização pessoal, A da eterna vontade de querer fazer melhor, Sabendo que nos enfrentamos a nós próprios num labirinto, Quase de laboratório,...
E aqui repouso na forma de me enfrentar a mim mesmo
se a noite tiver sabor de noites futuras, se uma tarde de chuva parece regressar de tempos muito amados e jamais possuídos, eu já não fico feliz, nem disso retiro prazer ou sofrimento já não sinto, diante de mim, a vida inteira… Para se ser poeta, é preciso ter muito tempo Horas e horas de solidão são a única maneira de dar forma a alguma coisa, que é força, abandono, vício, liberdade, de dar estilo ao caos. Eu tempo já tenho pouco: por culpa da morte que avança, no ocaso da juventude. Mas também por culpa deste nosso mundo humano, que aos pobres tira o pão, aos poetas a paz. pier paolo pasolini a poesia é uma mercadoria inconsumível poemas e recensões trad. joão coles sr teste edições 2022
agora que são dois caminhos abertos, e não há uma só chama que os devore, submetemos cinzas à novidade da escuridão,...
e ao mesmo tempo que a luz é uma ideia incorreta, inexata à soma de todos os medos que aqui escrevemos, os caminhos sobrepõem-se, até formarem um cano de arma, que dispara para o infinito, pedras de toque do sonho
Podem passar desde já ao segundo ponto desta descrição, o início não interessa, há uma mulher desgraçada, que grita aos sete céus porque foi obrigada a esvaziar o ventre, e fá-lo com sangue nas mãos, e entranhas a escorrer-lhe pelo rosto, numa mistura entristecedora de lágrimas com noções de morte,...
não interessa perceber que o tempo está nestas razões de amor, e que o amor se perde porque nasce sem cores, passar ao ponto dois, onde há uma cidade em bulício, como qualquer outra a preparar-se para a noite
Aprendi a espraiar-me por todo o lado, À falta de melhor verbo, Contigo ao meu lado, Estávamos sempre enfadados, Indissociáveis e anti-sociais, Sem nada para fazer, Uma mão em cima do malraux mais próximo, E a outra adocicada, Em busca do sexo possível,...
Chovia multo naquela parte do mundo, Mas não fazia mal, Se não fosse muito para pedir, Repetia tudo de novo
quando eu disse há cinco anos, sentia a pele leitosa dos teus seios na boca, e as mãos trémulas, a contornar as tuas, e o frio personalizava a fome, retraída como uma não-pessoa,...
lembro-me que cada segundo decresceu ao conteúdo de uma gota de água, e cada minuto a pedir que se prosseguisse, e um som acintoso do medo da fuga que retraía a paixão,...
foi há cinco anos, como podia ter sido antes de ontem terminar, e acabámos inúteis no silêncio, sequiosos na sede de amor que pairava por acabar, e com luzes pequeninas a iluminar o percurso da distância
Maria, chamemos-lhe assim, regressou a casa onde desconhecia até a cor das paredes. Não soava a música, como já tinha acontecido, o som dos passos dos sapatos desgastados de meio salto que tinham sido da mãe, e que agora tornara seus. Esquecera o odor de cera entranhado nos tacos, que invadia as fossas nasais mal terminava o som do metal da chave no canhão da fechadura. Estava iludida que havia de encontrar o que lhe parecia ser uma memória, no canto da cabeça, de um serviço de chá guardado numa caixa de cartão, a um canto do hall de entrada. Mas não. As paredes, achava que poderiam ainda estar pintadas com traços leves de marcador, como alguém lhe tinha dito. Mas também não. Restavam-lhe os passos, passos de mulher que ainda sabia dar. Era perita em esboçar uma linha reta, enviesada, com bissetrizes inseguras que a faziam passar do certo, para o incerto. Como sempre tinha gostado. Uma deliciosa brisa dançava com ela, à medida que sentia que a noite de Outono era puxada para baixo, por um dia que já não arranjava razões para ficar agarrado aos limites do razoável. Nada ali já era dela. Por isso escolheu sair, e deixar atrás de si o mesmo som metálico do adeus.
foi-me dado a perceber, que na terapia, um suspiro é um suspiro, a ligeira certeza de um aroma, torna-se a morte, e para mais nunca estou com toda a certeza como razão, num espaço curto, e sem aroma como aquele,.....
assim, ao vir a primavera, tudo continuará igual, sem que a dor de que se fala vá embora,...
e na terapia, nada mudará, porque eu sou o mesmo, e a razão também
O mundo enrolava-se como se fosse a sua forma única de chorar, Um desejo feito mulher de nenhum homem, Espreitava curioso como as formas desalinhadas do existir, Se interpenetram, Desviando-se da regra das coisas seguras,...
E pensava, Pedia por sinais mais luz para que uma vez não fossem vezes, E nada mudasse nesta rotina sem cor, Mas segura
assim eu quero ver o que ainda falta por fazer,...
dizer o que não está implícito, e assim se voa, encosta abaixo, nas asas de uma ave despreocupada, sem dono, destino, música de atino, não há pressas, para o que quero ver, e lambusado com o vento, sou eu o bicho voador, que acaba uma vida embatido contra as rochas desgastadas,...
Não me esqueci de sonhar a cores, E em formatos desconhecidos, Suspeitei de crimes sem sangue, Mulheres instiladas de loucura, que caminhavam desregradas por sobre a saudade,...
ao mesmo tempo que uma voz doce, mas culpada, perfazia números e números de contas por terminar, enquanto me sentia a descer em escadas invisíveis,...
Havia luz naquele momento, como o desejo remata sempre as profissões de fé
O desejo, A luxuria, Tudo sem nome que partir significa, E agora me escapa sem possibilidade de retorno,...
As pessoas falham, As flores esfumam-se sob pena de o medo vencer para sempre, Eu sei que assim será, E sentir que não estarás lá, Tira todos os azuis ao retorno da bondade e vontade de conter a insignificância, De não ter com que contar nas noites
falavam com o mesmo tom. debruçavam-se sobre os mesmos temas, e queriam tudo de igual. Até de manhã, quando o sol se insinuava, irregularmente, pelo quarto dentro, era com o mesmo sorriso, semelhantes trejeitos de olhar, e até de cheirar, que o recebiam. Conheceram o destino em conjunto, naquele dia há muito tempo, quando a força os parecia abandonar em consonância com a inconstante dor que a solidão sempre dá, ao apoderar-se da vida de qualquer um. Ela anotava rabiscos de um jardim na sebenta de todas as horas. Ele palmilhava sem destino, à espera talvez que o destino o reconhecesse como parceiro de uma sociedade para a vida. Olharam-se, de forma fugidia. Ela disse olá. Ele olhou para o irregular do chão basáltico, como que à espera que o protegessem de qualquer coisa, e de qualquer forma. De nada serviu,....
por favor, o silêncio não pode esquecer-se, e debaixo dos pés, os grumos de existência por debaixo dos pés, refletem a loucura da palavra, mas a lonjura da falta do Verbo,...
dois corpos que se arrastem, capazes de se amarem por uma eternidade efémera, nada representam perante a beleza da comunicação interrompida, a certeza de se estar ali, por tão pouco tempo que nada mais resista, nem o ião mínimo do ser,...
O meu nome, as fortunas possíveis por um momento de identidade, sentir chamarem-me pelas minhas virtudes, em vez de por erros que nem sequer reconheço,...
O meu nome como luz incontida, Finos riscos que acompanham a caruma congelada de uma manhã tímida de inverno,...
Desconhecido, à flor da noite, o meu nome previsto e revisto como herança, anónima mas palpável de uma passagem incólume por esta vida
Ninguém gritou no Verão, De janelas abertas, Tantas palavras pareciam sufocar, enquanto a carne entrava em processo de recolha,...
Embora lenta;
esta era uma desolação que,
enquanto vento,
atormentava mais a arte de estarmos connosco próprios,...
Por isso nada adiantava
encerrar o ser atrás de vidros baços, Sem cor, Que atenuasse o amor sentido desta forma, Mas sem apagar a dor dos músculos e tendões que sentíamos esventrados,...
Estamos vivos,
mas eis a prova de já nada nos acompanhar, Longe da pequenez e da perfidia dos homens, Formamos agora uma pasta impura
e tacanha de sangue e entranhas, Com este chão que já nada mais pare