Será um antônio mal gasto este homem. Assim o parece a falta de melhor desígnio pelo autor. Sozinho na vida, e com uma bronquite que para ele funcionava quase como um programa de rádio de companhia, mastigava vagarosamente. Pensava neste momento em praia. Pelo menos naquele vaguear de rio que gostava de sentir nos pés na juventude, enquanto falava de bola consigo próprio. O chá terá demorado dez minutos a desaparecer, e a sandes pouco mais. Assentou o cotovelo esquerdo na mesa. Apoiou a têmpora na mão como gostava. A meia franja grisalha pendia lhe até meio do indicador e do médio enrugados. O braço direito estava colado à barriga, suportando a mão morta, sem destino, no colo. Parecia que a tarde respirava ao som daquele radio em onda média que serpenteava vindo não se sabe de onde. Era a um fado do marceneiro , que ouvira vezes sem conta, que respondia o seu medo. Pavor tranquilo de qualquer coisa parecida com um fim....
2015/09/04
F(r)ado
Cortou uma pequena fatia daquele queijo pentagonal, que estava cheio de pontos verdes. Aquela maldita coisa tinha estado guardada no armário de cima da cozinha, junto ao esquentador. Quando o tirou, seriam umas seis da tarde, o papel de alumínio já escorria humidade. E também um cheiro indefinido a quarto fechado numa tarde de outono. É daqueles odores que não se descreve, prova se. Talvez por isso tirou a chávena mais velha da casa. Fora comprada na rua arbat, em Moscovo. Aí por mil novecentos e setenta e oito, numa excursão que o partido pagava para deixar as pessoas silenciosas de tanta realização pessoal. Encheu até 3/4 de água morna, que abraçou um saquinho moreno de chá de cidreira. Arrastou o banco da mesa da cozinha, e sentou se vagarosamente. Sentia o cóccix a encaixar no quadrado do assento. Estava bem assim. A chávena de chá, já a pedir bebericos suaves, estava à sua frente, a esquerda. Os dois pedacinhos de pão de centeio que esmagavam o queijo, assentes na madeira gasta da mesa.
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