Quarenta anos depois, eu sou uma pessoa feliz, tal como ele havia vaticinado. Velho, com o relógio a correr contra mim, mas mesmo assim certo de que uma derrota nunca soube tão bem a um perdedor em toda a história da humanidade.Sim, eu fui derrotado numa partida de xadrez com o ‘Che’. Mas de que importa isso, quando foi a própria vida a ensinar-me a melhor forma de assimilar o poder magnético de um simples par de olhos.
2007/12/30
Nove de Outubro de 2007
Quarenta anos depois, eu sou uma pessoa feliz, tal como ele havia vaticinado. Velho, com o relógio a correr contra mim, mas mesmo assim certo de que uma derrota nunca soube tão bem a um perdedor em toda a história da humanidade.Sim, eu fui derrotado numa partida de xadrez com o ‘Che’. Mas de que importa isso, quando foi a própria vida a ensinar-me a melhor forma de assimilar o poder magnético de um simples par de olhos.
Do cotão à meia de leite (em Portugal)
Reflexo das trinta e três vias sacras percorridas desde o renascimento de um projecto falhado pela essência criadora?Acredito piamente que sim. Por isso serei um vendido ao derrotismo? Talvez. Mas não será um caminho inerente a quem bebe do saudosismo, a verve que precisa para simplesmente acordar no dia seguinte? Quando nos sentimos um ingrediente de um preparado culinário que refoga há séculos, sem que ninguém se tenha ainda preocupado em ver se levantou fervura, não há muita hipóteses de fuga.
Por isso olhamos para baixo. Analisamos a idiossincracia de um umbigo que já pede descanso de constantes miradas. Analisamo-lo, botamos esforço na comparação do mesmo com quem nos quer mal, com quem vive no degredo da má falança. A insatisfação é conclusão única e, por isso, debruçamo-nos ainda mais. As vértebras do pescoço pedem tréguas, mas nem assim pára a tarefa sempre inacabada de um onanismo que nos é imposto.Evoluímos, sem que a dúvida faça desta convicção uma verdade a contestar.
2007/12/29
Cães do Inferno
Mais e Menos
O Velho dos Sete Cães
Diz que é mentira. Ele é apenas filho de alemães que, por "necessidades inalienáveis", tiveram de viajar até às Honduras. Nasceu filho único, chegou a um novo mundo como filho único, e fez-se à vida como filho único. Bem, isso é o que dizem as pessoas. Porque ninguém sabe muito sobre o senhor. Apenas que ele gosta de cães. E faz questão de mostrar isso. Os bichos são é dificil de definir. Feios, baixotes, gordos, patas minusculas. Para andar da porta de casa, ao jardim onde o 'señor' os leva a passear, chegam a demorar uma hora. E quando pára um, param todos ao mesmo tempo. O velho deixa um rasto de merda atrás dele. E depois, já ganhou os hábitos dos hondurenhos.
Apanhar aquela mistela, é que tá quieto. As pessoas dizem mal dele, mas depois acabam por fazer o mesmo. Toda a gente já se habituou a ver aquilo. Há até quem fale que o Luis Sepulveda, o chileno renegado que vendeu a alma aos gringos europeus, costuma vir duas vezes por ano a Tegucigalpa só para ver o velho Freischel. O próximo livro pode ser sobre ele. Mas ninguém tem certezas. A história de vida do velho dava um bom livro. Disso ninguém tem dúvidas. É bom é que quem a queira escrever se apresse. O homem anda com uma icterícia esquisita. Qualquer dia fica-se....
2007/12/28
No dia em que Eva morreu
Passos acelerados, e olhares fixos no chão, marcavam a atitude das almas femininas que se passearam nas ruas naquele dia. Premonitório, dizem uns. Eu acredito. Foi o dia em que Eva morreu, e eu estava num consultório médico. no centro de Buenos Aires. Perdi o andar. E logo eu, que na altura dependia das minhas pernas para tudo. O Pablo da Calle de las Palomas a coxear. Parecia impossível. Na altura era carteiro, e o raio de uma unha encravada tirou-me a locomoção. Recordo-me das dores insuportáveis.
Começaram um dia. Chovia a potes, e eu vinha para casa, vindo do trabalho. Chutei uma pedra. Pareceu-me pequena na altura. Só que era dura que nem cornos. Senti logo a unha grande do pé esquerdo a rachar. Os dias passaram, e piorei. Toda a gente que conheço tinha-se habituado a ver-me percorrer as ruas da capital, a passo acelerado. E naquele dia, manhã cedo, tiveram de ser os meus amigos Juan e Vasco a amparar-me até ao consultório de 'El doctor'. O velho tinha fama. Tinha várias especialidades ao mesmo tempo. Quando era preciso arrancava dentes. Sempre que necessário, receitava uns comprimidos para as dores de período das madames. Naquele dia, teve de me aturar a mim.
O meu pai foi doente dele, o meu avô andou com ele na escola. Aliás, o velho era mas é bom de mais. As pessoas até gozavam um bocado com o coitado do 'señor' Péron, como ele gostava de ser tratado. Para todos os efeitos, gritava aos sete ventos que tinha aberto o consultório com a mãozinha amiga do general presidente. Mas todos sabíamos que ele nunca tinha estado com o sacana do fascista. Quer dizer, um dia, há muitos anos, foi atropelado pela limusine dele, à saída do Palácio Presidencial. Ele recordava esse dia como uma experiência religiosa. Garantia que tinha conhecido Deus. Partiu as duas pernas, ficou em coma dois dias, e o Rolls Royce do fascista nem parou. Mas o velho ficou em êxtase.
Quanto a 'La Santa'. Bem, o doutor Péron adorava arranjar os pés às senhoras, desbobinando como conhecera Eva em La Plata, quando esta não era ainda mais do que uma adolescente namoradeira. Aliás, no princípio dos anos 40, quando o mundo fervia na loucura da guerra, e o doutor Péron ainda se chamava Diego Simón, rezam as fontes históricas do velho que foi ele quem apresentou Eva a 'El General'. Está bem que este é um episódio da história argentina que nunca chegou a ser inscrito nos livros. Mas na calle de los combatentes, no centro de Buenos Aires, ai de quem se atrevesse a pô-lo em causa. Maria Eva Duarte era a menina dos olhos do doutor Diego Simón 'Perón'. E no dia em que o cancro nos ovários finalmente a venceu, o doutor preferiu nem sequer ouvir as notícias.
Aliás, quando Eva deixou de aparecer em público, consumida pela maldita doença, o doutor Diego isolou-se do mundo. A morte da sua deusa era anunciada, mas o tempo para ele, parou. O doutor saía de casa de manhã em passo acelerado. Tomava o primeiro autocarro que conseguia, evitando todos os quiosques onde se pudessem ler os escaparates de jornais ou revistas. Quando lhe parecia ouvir o suave roncar de um rádio a aquecer, acelerava, e desviava-se para bem longe. As conversas, para ele, foram, a pouco e pouco, desviando-se da realidade. Com as senhoras, trocava impressões sobre o tempo, e sobre os vestidos da primeira dama norte-americana, que sempre considerou uma verdadeira senhora.
Com os senhores, não se atrevia a falar de mais nada que não do Boca Juniores. Aliás, quem sempre o conheceu, pensou que o doutor Péron fosse um pouco, a modos que, abichanado. Logo, completamente avesso a futebol. Mas ele viu 'La Bombonera' a ser construída, e costumava dizer que o seu coração seria azul e amarelo até ao dia em que desse o último suspiro. No dia em que Eva morreu, eu vi um doutor Péron desligado da realidade. A Argentina parou, mas ele não. Continuou a viver, e não verteu uma lágrima. Transformou-se num autómato. Eu continuei com o No dia em que Eva morreu, o doutor Péron, foi parar ao hospital. Não mais de lá saiu. Os médicos dizem que nunca tal tinham visto.
O seu coração diminuiu de tal forma, que simplesmente parou. O doutor Diego quis morrer calado. Lá fora, a Argentina chorava. Ele nunca o conseguiu...
Anatomia
Monóxido de Carbono
2007/12/27
Amores e Outros Horrores...
Interjeições que fazem falta...
2007/12/26
Arco-Íris, Inc.
A importação de água de um mar cuja localização ainda não foi tornada pública, parece ser o ramo em que o azul melhor se movimenta. A personalidade densa que o caracteriza é, segundo os analistas, a adequada para uma correcta gestão da multinacional.Uma empresa de consultoria, fundada pelo amarelo, poderá ter sido contratada para atestar a veracidade destas constatações. Por trás deverá estar uma Oferta Pública de Aquisição feita pelo Ciano, que desesperadamente luta por se manter à tona de um negócio onde o Branco ainda dita regras.
O Ciano partilha o tom com o Lilás, e é considerado perigoso. Numa desordem alvejou a tiro o Branco, que por ter corrido perigo de vida, reforçou o seu estatuto neutral. O relatório de tendências no arco-íris aponta para um futuro menos denso. O esbatimento de funções é visto com desconfiança.
Interior IV
Interior III
Interior II
Na realidade, ele procura a chave para a dissolução de uma personalidade que só lhe tem dado tristezas.Transporta consigo um currículo de relacionamentos amorosos falhados. O último levou-o mesmo ao Hospital, já que terminou com uma tentativa de suicídio. O jovem fechou-se na garagem da moradia recém-construída dos pais. Com botijas de gás armazenadas no porta-bagagens do 6 cilindros da família, montou um esquema de transporte de gases que o matariam em pouco tempo. Não fosse a intervenção casual da irmã, e teria sido encontrado inerte, no lugar do condutor da viatura. Ao fim de uma semana de internamento nas urgências de um hospital, começou a ser acompanhado por um psiquiatra de renome. Ainda está na fase do reconhecimento da enfermidade devendo, a breve prazo, ser-lhe receitada a devida medicação.
Noutro contexto, dois homens de meia idade repartem uma fila de cadeiras de plástico, como únicos passageiros de uma calma astronómica. A calvície de um, claramente incomoda o outro. Um fitar quase assassino disseca os pequenos pelos de uma meia-lua que parece aumentar a uma velocidade constante, e envergonhadora. É este o universo onde, previsivelmente, poderá ocorrer o crime. O autor repete. Ainda é cedo para estar a afirmá-lo taxativamente. Mas o cidadão calvo parece estar a ceder a uma pressão que poderá ser explicada pelas contingências da vida.
Foi despedido nesse mesmo dia. O outsourcing, a ditadura dos cortes económicos da empresa de fabricação de motorizadas, levou-o nessa manhã ao gabinete do senhor administrador. A um condescendente 'desculpe, mas já não contamos mais com os seus serviços', respondeu com um silêncio preocupante. Já tem na sua posse um cheque com uma indemnização correspondente aos melhores 15 anos de uma carreira contributiva de 30, e aguarda agora pelo seu lugar na atribulada agenda da técnica de comparticipações por desemprego da segurança local.
Quem o observa não faz por mal. João, um João talhado para as pequenas coisas da vida de uma localidade de interior, tem um quotidiano marcado pela missão que Deus lhe deu. Cuidar de uma avó idosa. Tão velha, que já se esqueceu de quando nasceu, nem do local onde deu o primeiro beijo. João está confinado, tantas horas quantas necessárias por dia, às quatro divisões de uma moradia do seculo XIX. É uma casa grande, de paredes grossas, e que já lhe está prometida quando o inevitável acontecer. João não trabalha, já que se comprometeu a servir a avó. Por isso, não terá culpa de a sua mente estar formatada para uma realidade tão doméstica, quanto triste.
Interior I
Uma senhora, dos seus 40 e poucos anos, impõe a si própria um regime de calma auto-inflingida. Poderá ter a ver com a fila de cidadãos que se acotovelam no parco e sufocante espaço.
Faltam menos de 48 horas para terminar o prazo burocrático de entrega dos impressos de cobrança do imposto sobre o rendimento do trabalho, e a ansiedade colectiva forma uma nuvem espessa, difícil de contentar, e ainda mais complicada de controlar. A uma supremacia de idosos, respondem dois jovens, aparentando uma vida com duas dezenas de anos.
O ar taciturno e irritado que demonstram, revela que estarão ali para fazer o 'português' recado a uma pessoa de família. Uma jovem contenta-se a tilintar o piercing que pende de duas narinas aquilinas, e com uns laivos judaicos. Uma gabardine preta, tão densamente negra que contrasta com o politicamente correcto ambiente, oculta um corpo que se auto-esconde de olhares reprovadores. A jovem mulher terá tentado fazer uma demonstração recente de independência perante os progenitores, uma vez que tem o cabelo quase rapado. Os olhares de reprovação que a cercam num ataque quase 'Juliocesariano', aparentemente não a incomodam.
Elogio Fúnebre...
- “Manel, caloteiro, morreste sem pagar a conta do gás”.
O cortejo fúnebre seguiu então em direcção ao cemitério da terra. Em campa rasa, Maneldesceu à terra à sombra de um abeto, única entidade viva no jardim das tabuletas local. Não há registo de que a conta do gás tenha sido paga. Nem de visitas à campa do Manel.
2007/12/25
Cuspir ao Vento
Portugal, Idade das Trevas
Uma família sobe no incerto,
Exigindo menos difusão do futuro,
Uma mulher doente diz-se mãe,
Aos beijos dos filhos,...
..., responde com amargura,
O pai, homem das botas,
Cansa o cansaço para sorrir,
Ladra a alegria da casa,
E chove a frustração do pouco,
“Pai, tenho frio”
“Mãe, estou triste de estar triste”
Quatro pares de olhos choram a impotência,
E forjam a alegria do falso,
Portugal, idade das trevas,
O senhor presidente do conselho vem à terra,
O Coreto vai ter banda,
E o homem das botas,...
..., crava ainda mais o pé na terra molhada...
O Peditório (Variações)
Sonho II
Estava de férias há apenas dois dias e, sinceramente, não sei qual foi a pancada que me deu para fazer aquilo. Mas fiz. Como acompanhamento, mandei que colocassem à minha frente do prato três taças de vinho do barril. Em precisamente 22 minutos e 40 segundos comi e bebi tudo. Saí da tasca, meti-me no carro, guiei até ao centro de Marvila, entrei em casa, e deitei-me. Garanto que em todo este percurso me senti como morto.
A cabeça vazia, a cara branca como a cal, os braços e as pernas hirtos. Acho que adormeci logo. Ah, tapei-me com uma manta de lã, o que nem me pareceu um pecado. O sonho chegou, mais rápido que um estalar de dedos. Se bem me lembro, os meus neuroniozinhos fizeram-me viajar até ao Panteão Nacional. Caminhava sozinho pelo meio dos tumulos dos grandes nacionais.
De repente, um banco castanho, pequeno, surgiu perante mim, e quase me fez cair. Equilibrei-me. Só então olhei para mim mesmo, e reparei que estava nu. Não me preocupei minimamente com isso. Aliás, até me obriguei a mim mesmo a sentar-me no banco, de cabeça baixa. Segundos depois levantei os olhos, e li. Amália Rodrigues, Julho-1920; Maio 1999.
A banda sonora entrou neste preciso momento. Até hoje, estou para perceber como um cérebro que eu sempre considerei mediano, conseguiu proporcionar-me uma experiencia destas. Não, não foi o Povo que Lavas no Rio que me embalou. Nem muito menos o Fado dos Caracolinhos. Motorhead, Ace of Spades.
Uma musica da minha infancia, a acompanhar-me naquilo que parecia ser a antecâmara da morte. Senti-me tão bem a ponto de renegar convicções de anos, e pedir a Deus que não me deixasse acordar. Alguém queria que eu me transformasse no ladrilhador da memória portuguesa. Senti-me voltar à vida. Lutei com todas as forças para o eviyar. Não tinha ainda chegado a minha hora. Acordei. Apesar do calor, apalpei cada centimetro do corpo, e não senti uma única gota de suor.
04h30. Levantei-me, esperei pelo raiar do sol, fui a um armazém de ferragens comprar um martelo, um escopro, um quilo de pregos de caixão. Perto de Sintra, encontrei uma laje de mármore. À hora de almoço, estava de regresso a casa. Despi-me, levei o banco mais pequeno que tinha em casa para o quintal, e instalei-me debaixo da figueira do meu tio Aníbal.
Sessenta dias depois, eis-me exactamente no mesmo sítio. Não sei o que fazer com tudo isto que tenho à minha frente, mas de uma coisa estou certo. Ainda sou muito novo para sofrer de arterosclerose.
2007/12/24
Dissertando no 'menor' da morte
Episódio do Infante...
Isto caso haja quem lhe reporte o episódio do Infante.
Sonho
Ondas de sinistras demonstrações de abandono,
Envolvem a fraca batida cadavérica,
Apoio, encontro em restos de fulgor feminino,
Assombros de uma beleza belicista,
Arrastam uma carcaça na névoa,
O grito da invasão ao futuro,
Hordas de homens de armas mugem impropérios,
A impavidez da descrença toma-me refém,
Tocado pela toga de Xerxes,
Abençoo o desejo de cavalgar,
Levantar voo, e desafiar Zeus,
Caem chuvadas de sangue fervente,
Caminho na Esparta renascida,
Libertei-me dos grilhões da morte prometida...